Investir uma bolada de uma vez ou de pouco em pouco?

 

Suponha que você recebeu uma bolada (talvez o novo ganhador da mega-sena?) e você queira investi-la. Você deve investir a grana toda de uma vez ou deve fazer aportes graduais ao longo de um período? A resposta é até fácil, se você tivesse uma bola de cristal, era só aportar tudo na sua carteira de preferência (que eu suponho que possui excelentes critérios) logo após que uma grande queda ocorresse, como no caso do Joesley Day, em que a bolsa caiu 12% de uma vez, ou mesmo no dia 20 de março de 2020, em que a bolsa caiu mais de 40%.

Naturalmente, eu não tenho bola de cristal e se eu tivesse não contaria a ninguém. Sendo assim, o objetivo do post será fazer um estudo (não muito rigoroso e tampouco aprofundado) que busque nos ajudar a entender qual das duas estratégias devem ser empregadas numa situação em que precisamos decidir entre investir toda a bolada ou parcelar ela de pouco em pouco.

O nosso estudo será realizado com base em experimentos bastante simples e que não podem ser generalizados, mas podem ajudar a criar intuição a respeito das duas estratégias. Vamos definir as condições iniciais:  primeiro, vamos supor uma quantidade arbitrária de R$100.000,00 que será investida ao longo do ano de 2020. Segundo, o ativo de escolha será o ETF BOVA11, porque ele busca replicar os movimentos da bolsa e também por causa da comodidade de se escolher um único produto ao invés de montar uma carteira. De qualquer maneira, é quase como se estivéssemos com uma carteira com proporção bastante próxima aos ativos que compõem o índice Bovespa. Por fim, não vamos levar em conta proventos recebidos nem custos de aplicação ou manutenção da carteira.

Serão realizados três experimentos distintos. O primeiro experimento consiste em aportar toda a bolada (ou tanto quanto for possível) no ativo em questão e verificar o seu resultado no final do ano de 2020. O segundo experimento consiste em aportar toda a bolada em 12 parcelas iguais ao longo do ano. O terceiro experimento, um pouco mais complexo, aportará uma proporção do estoque de dinheiro disponível sempre que houver queda (estamos falando em aportes diários e, sim, eu estou ciente de que isso pode aumentar muito os custos da estratégia, tornando-a possivelmente inviável (se você não estava, deve ficar ciente disso agora), mas não deixa de ser interessante testá-la. Mais especificamente, se a bolsa cai um porcento, investe-se um porcento da renda disponível. Note que, nesse caso, a quantidade de bufunfa disponível para investimento nunca zera. Isso na verdade é até bastante bom: ter uma reserva de caixa para aproveitar oportunidades é essencial.

Esse experimento em questão não é original e já foi realizado anteriormente por outras pessoas. Para se ter um exemplo, nos EUA, a estratégia de aporte total de uma bolada pode ser mais interessante do que se aporta numa quantidade fixa mensalmente quando o objetivo é obter maior ganho. Isso pode ser explicado pelo fato de que o mercado americano é menos volátil do que o mercado brasileiro, então esse tende a crescer de maneira estável. Por outro lado, aportes mensais fixos tendem a diminuir o tamanho das perdas de capital, já que você pode acabar aportando uma parte do seu dinheiro em momentos de baixa no mercado.



Para termos uma ideia sobre o argumento da variabilidade, a figura anterior mostra uma medida de variabilidade (variância) para cada ano de dois índices: Ibovespa e S&P500. Ambos estão em uma escala que varia de 0 a 1: quando 0 significa que foi o menor valor de variabilidade considerando toda a série e quando 1 significa que foi o maior valor de variabilidade. Sob essa escala, a variabilidade do índice brasileiro é mais alta do que o americano em alguns dos anos. Se eu deixasse de levar em conta a transformação das variáveis, a variabilidade do índice brasileiro superaria o índice americano em todos os anos (em muito, inclusive, e mesmo se eu levasse em conta o valor da bolsa “em dólares”).

Nesse caso, como a variabilidade do índice Brasileiro é maior, existem mais "oportunidades" de investimento. Pelo menos quando olhamos para o histórico do mercado, a bolsa atingiu valores baixos em várias situações, o que permitiria a compra de ativos com desconto. Enfim, estou fugindo da intenção original. Com essa rápida diversão do intuito original, vamos dar uma analisada nos experimentos!

Experimento 1

Número de cotas compradas: 875 cotas (R$99.960)

Valor final: R$100.318,75

Variação percentual: 0,3589%



Eu chamaria o primeiro experimento de razoavelmente bem sucedido se você levar em conta que não perdeu patrimônio em termos nominais (mas em reais perdeu com certeza, inflação existe e foi alta em 2020). Se você não tivesse vendido suas cotas na queda, é claro. Além disso, a taxa de administração do BOVA11 afetaria um pouco da sua rentabilidade, mas ela não é alta. Com os outros experimentos teremos uma ideia de como esse primeiro se compara.

Experimento 2

Número de cotas compradas: 1069 cotas (R$99.296,72)

Valor final: aproximadamente R$122.560,90

Variação percentual: 22,65%



Com o excepcional ano passado, comprando algo próximo de R$8.333,00 em cotas todo dia primeiro de cada mês, graças a variabilidade no período, uma rentabilidade superior a 20% poderia ser obtida. Isso porque em alguns meses o valor por cota era bastante baixo, chegando a quase metade do preço no final do ano de 2020.

Experimento 3



De todos os experimentos, esse foi o de execução mais complicada. Isso porque era preciso levar em conta que nem todos os dias seria possível aportar e uma memória de "dinheiro disponível" precisava ser calculada dia após dia quando as variações eram pequenas.

Número de cotas compradas: 1050 cotas (R$87.516,83)

Valor final: aproximadamente R$120.382,50

Variação percentual: 37,55%

O experimento mais complicado foi o de maior performance. Com 11,86% a menos de dinheiro aportado comparado ao experimento 2, o experimento 3 conseguiu 60% a mais de rentabilidade. Parece pouco intuitivo, mas a verdade é que a maior parte das cotas foram compradas no mês de março, quando ocorreram as maiores quedas. No experimento 2, os aportes não dependiam de nenhum critério de variação nos preços já que as compras foram distribuídas ao longo do ano. Sendo assim, num ano que não ocorressem quedas expressivas, essa estratégia do experimento 3 não se daria tão bem assim. Eu considero que esse experimento deve ser encarado como um incentivo para que você tenha uma reserva líquida para aproveitar oportunidades quando os ativos da bolsa estão com desconto.

Por fim, cabe (re)lembrar que os experimentos possuem uma porção de limitações. Eu não estou levando em conta os possíveis custos de se executar as respectivas estratégias e nem seus proventos. Por exemplo, suponha que você tenha investido a bolada toda em FIIs com um DY, razoável, de 6% a.a. Você teria dinheiro livre de imposto caindo todo mês na sua conta e poderia usar essa grana pra comprar ainda mais em momentos de quedas expressivas. Além disso, o intervalo de tempo que estamos levando em conta foi de um período bastante atípico na bolsa (COVID-19).

Lições que eu espero que você tenha aprendido 

  • Não importa o momento: aporte. É melhor começar a investir o quanto antes. Nós não temos bola de cristal para encontrar a oportunidade perfeita.
  • Aportes recorrentes são importantíssimos: você acaba capturando oportunidades em que a bolsa está com um valor ligeiramente descontado.
  • Ter uma reserva de alta liquidez para aproveitar oportunidades é um diferencial que aumentará sua rentabilidade.
E aí, o que achou? Lembre-se que essas não são recomendações de investimentos. Não estamos dizendo para você o que deve ser feito com o seu dinheiro. Até a próxima!

Comentários

  1. Só posso investir a partir de R$ 100.000,00?

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    1. Fala, Antonio. Tudo bem? Muito obrigado pelo seu comentário.

      Com certeza não, 100 mil foi uma quantidade qualquer. Você pode começar com muito menos, a depender da corretora que você escolher investir o seu dinheiro. Por exemplo, na corretora que eu invisto atualmente o valor mínimo de depósito é de 100 reais, mas existem outras por aí que exigem menos (se eu não me engano, tem corretoras por aí que tem como valor mínimo de depósito algo como 30 reais).

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    2. Zé, muito obrigado! Qual a sua corretora? Adorei a ideia do blog.

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    3. Disponha, Antonio. Sempre que você tiver alguma dúvida, não hesite em perguntar!!

      Olha, ultimamente eu tenho utilizado a corretora Warren. É bastante simples e livre de custos, mas ela não possui os recursos que outras corretoras possuem, como um home broker.

      Continua acompanhando a gente, nós estamos preparando uma postagem falando sobre algumas corretoras, explicar custos e como realizar seu primeiro investimento.

      Um abraço!

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  2. Legal o estudo. Provou que o ideal é aportar todo mês, consistentemente. O experimento 3 é meio "bola de cristal", mas faz sentido ter uma reserva para aproveitar uma queda brusca do mercado. O problema disso é ter que ficar acompanhando notícia.

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